4 de mar. de 2011

Alalaô direto do meu sofá (by Maristela)


Carnaval. Já fui disso – mais por teimosa que por aficcionada mesmo.  Não tinha carnavalesco em casa nem na parentama,  dona Luci nunca me levou a baile infantil muito menos passou por sua cabeça criar uma fantasia para a filha única. Os Azevedo Bairros, núcleo mínimo (pai, mãe, filha), ao contrário da maior parte de seus pares proletários, não viam no alalaô um alento para dias de pão sem manteiga e meias fuxicadas . Então, não ter nada a ver com samba e carná era natural pra mim. Talvez por pretensão, minha mãe preferia ouvir a rádio Guaíba, com suas grandes orquestras,  a decorar novas músicas da chamada “folia”. Sabíamos, sim, cantar e assobiar, marchinhas antigas. Mas era parte da vida, nada especial.
Da mesma forma, a cada ano eu levava um  banquinho e amarrava junto à corda de segurança que a prefeitura espichava na frente do Estádio Alim Pedro, que sempre chamamos de Campinho, disposta a ver o desfile das “escolas” . Nunca consegui ver escolas – no máximo, via algumas tribos, meia dúzia de gatos pingados mal e mal fantasiados, entoando uma mistura de ganido com “língua indígena”, passando diante da platéia sem entusiasmo e pouca. O sono era mais forte e meu pai, que encarava a tarefa de ir “para a avenida” no IAPI, acompanhando a filha, mal disfarçava o cansaço de bater prego e lixar sola de sapato desde as sete da manhã na Sapataria Bandeira.
Um dia, virei o fio: chorei até que convenci minha mãe a me deixar acompanhar, como tantas crianças da vizinhança, o “desfile” do bloco formado por moradores dos edifícios em volta, aquela pobreza que nem de banda podia ser chamada, mas que encarava a tarefa de se divertir. Afinal, era carnaval. E eu queria sair no bloco, mas queria fantasia! E pra derrubar de vez o argumento da dona Luci de que não tinha como arrumar fantasia aquela hora (devia ser umas sete da noite), peguei um papel de embrulho, daqueles ásperos, rosa cor de grés, fiz dois furos – um em cada lado – e criei um avental. Para enfeitar, recortei, no “ourinho” da carteira de cigarro LS sem filtro do seo Waldemar (então fumante enlouquecido) algumas estrelinhas, luas, bolinhas e colei no papel. Estava pronta para a farra!
Lembro de meu pai, rindo divertido, da minha vergonha, caminhando agarrada à mão dele, cabeça baixa, no meio da banda do IAPI. Ainda ouço as vozes de vizinhos falando sobre minha animação . Uma quadra depois, estávamos de volta em casa. O avental resistiu, as cordinhas não se romperam. Mas não havia mais uma estrelinha que fosse colada.
Anos mais tarde, tentei de novo: como sócia de um clube, lá fui para a folia. De rabo de cavalo, roupa adequada, aparentemente feliz e corajosa. Na primeira e violenta puxada de cabelo, abandonei a festa e jurei nunca mais. Acho que encarei outros bailes em Porto Alegre, mas apaguei tudo da memória. Lembro dos que freqüentei em Cachoeira do Sul, no clube Rio Branco, com o conjunto do João Rob erto, animadíssimos, um por dia. Como é que eu tinha saúde eu não sei. Tampouco de onde vinha esta animação momística.
Faz um tempo, eu quis conhecer o tal Municipal de Porto Alegre. Sozinha. Pura teima. E terminei sendo convencida pelo colega que organizava o festerê a “transmitir” entrevistas para a então TV Guaíba e até hoje rogo aos céus que ninguém tenha me visto com o queixo duro perguntando com cara de freira carmelita a diretoria do clube o que estava achando da animação!
Também ultrapassei  a fase de ver os desfiles da Sapucaí e tenho uma certa nostalgia dos desfiles de fantasia com Clovis Bornay e outros gênios da criação de quem a gente debochava de besta, porque fazem falta. Hoje, felizmente, temos os filmes na televisão a cabo e a santa internet. Nada mais me liga à maior festa brasileira. Vejo as reportagens (sempre as mesmas, pobres colegas que precisam cobrir isso e ainda tentar ser originais) sobre Rio, Recife, Salvador e tudo se mistura na minha cabeça como um mesmo pastiche. Sei que há fantasias lindíssimas, que milhões se empregam graças a esta grande loucura, que só o fato de alguém dançar o frevo já merece aplausos e tudo é digno de reconhecimento. No entanto, me bate só enfaro, saudades talvez do que nunca fui em relação ao Carnaval ou do que o Carnaval deixou de ser para mim. Vai ver é minha perna enfaixada, por causa desta nova distensão na panturilha, que me deixa assim, chata e sarcástica com o que adoram todos que são alegres. Boa folia a quem curte, então.

Um comentário:

Roney Maurício disse...

Ei Maristela,
só agora vi que postei logo após você... Desculpe.

Vejo que Porto Alegre e Belo Horizonte tem muito em comum, ao menos em matéria de carnaval...

Compartilho com você a falta de gosto pela folia (ao menos essa... rss), mas gosto da tradição cultural e da música. Se você ou seus leitores se interessarem, venho escrevendo sobre o assunto há algum tempo: http://erreeme.blogspot.com/search/label/m%C3%BAsica%20de%20carnaval