18 de nov. de 2009

Ainda tem bolo! (by Udi)


Singela homenagem ao parceirim ÉrreEme, queridíssimo e honorável owner deste blog, que fez aniversário no último dia 12 e não contou a ninguém.
Mas, antes tarde do que mal acompanhada ...ou seria antes nunca do que... aah! xáprálá!
Parabéns por essa luz maravilhosa, moço mineiro! E que ela brilhe ainda mais neste teu novo ano que se inicia.

Texto de Felipe Peixoto Braga Netto
('oiçam' o fundo musical escolhido para a leitura)

Sotaque mineiro: é ilegal, imoral ou engorda?


''Minas não é palavra montanhosa. É palavra abissal. Minas é dentro E fundo”
Carlos Drummond de Andrade




Gente, simplificar é um pecado. Se a vida não fosse tão corrida, se não tivesse tanta conta para pagar, tantos processos — oh sina — para analisar, eu fundaria um partido cuja luta seria descobrir as falas de cada região do Brasil.

Cadê os lingüistas deste país? Sinto falta de um tratado geral das sotaques brasileiros. Não há nada que me fascine mais. Como é que as montanhas, matas ou mares influem tanto, e determinam a cadência e a sonoridade das palavras?

É um absurdo. Existem livros sobre tudo; não tem (ou não conheço) um sobre o falar ingênuo deste povo doce. Escritores, ô de casa, cadê vocês? Escrevam sobre isto, se já escreveram me mandem, que espero ansioso.

Um simples" mas" é uma coisa no Rio Grande do Sul. É tudo menos um "mas" nordestino, por exemplo. O sotaque das mineiras deveria ser ilegal, imoral ou engordar. Porque, se tudo que é bom tem um desses horríveis efeitos colaterais, como é que o falar, sensual e lindo (das mineiras) ficou de fora?

Porque, Deus, que sotaque! Mineira devia nascer com tarja preta avisando: ouvi-la faz mal à saúde. Se uma mineira, falando mansinho, me pedir para assinar um contrato doando tudo que tenho, sou capaz de perguntar: só isso? Assino achando que ela me faz um favor.

Eu sou suspeitíssimo. Confesso: esse sotaque me desarma. Certa vez quase propus casamento a uma menina que me ligou por engano, só pelo sotaque.

Mas, se o sotaque desarma, as expressões são um capítulo à parte. Não vou exagerar, dizendo que a gente não se entende... Mas que é algo delicioso descobrir, aos poucos, as expressões daqui, ah isso é...

Os mineiros têm um ódio mortal das palavras completas. Preferem, sabe-se lá por que, abandoná-las no meio do caminho (não dizem: pode parar, dizem: "pó parar". Não dizem: onde eu estou?, dizem: "ôndôtô?"). Parece que as palavras, para os mineiros, são como aqueles chatos que pedem carona. Quando você percebe a roubada, prefere deixá-los no caminho.

Os não-mineiros, ignorantes nas coisas de Minas, supõem, precipitada e levianamente, que os mineiros vivem — lingüisticamente falando — apenas de uais, trens e sôs. Digo-lhes que não.

Mineiro não fala que o sujeito é competente em tal ou qual atividade. Fala que ele é bom de serviço. Pouco importa que seja um juiz, um jogador de futebol ou um ator de filme pornô. Se der no couro — metaforicamente falando, claro — ele é bom de serviço. Faz sentido...

Mineiras não usam o famosíssimo tudo bem. Sempre que duas mineiras se encontram, uma delas há de perguntar pra outra: "cê tá boa?" Para mim, isso é pleonasmo. Perguntar para uma mineira se ela tá boa, é como perguntar a um peixe se ele sabe nadar. Desnecessário.

Há outras. Vamos supor que você esteja tendo um caso com uma mulher casada. Um amigo seu, se for mineiro, vai chegar e dizer: — Mexe com isso não, sô (leia-se: sai dessa, é fria, etc).

O verbo "mexer", para os mineiros, tem os mais amplos significados. Quer dizer, por exemplo, trabalhar. Se lhe perguntarem com o que você mexe, não fique ofendido. Querem saber o seu ofício.

Os mineiros também não gostam do verbo conseguir. Aqui ninguém consegue nada. Você não dá conta. Sôcê (se você) acha que não vai chegar a tempo, você liga e diz:

— Aqui, não vou dar conta de chegar na hora, não, sô.

Esse "aqui" é outro que só tem aqui. É antecedente obrigatório, sob pena de punição pública, de qualquer frase. É mais usada, no entanto, quando você quer falar e não estão lhe dando muita atenção: é uma forma de dizer, olá, me escutem, por favor. É a última instância antes de jogar um pão de queijo na cabeça do interlocutor.

Mineiras não dizem "apaixonado por". Dizem, sabe-se lá por que, "apaixonado com". Soa engraçado aos ouvidos forasteiros. Ouve-se a toda hora: "Ah, eu apaixonei com ele...". Ou: "sou doida com ele" (ele, no caso, pode ser você, um carro, um cachorro). Elas vivem apaixonadas com alguma coisa.

Que os mineiros não acabam as palavras, todo mundo sabe. É um tal de bonitim, fechadim, e por aí vai. Já me acostumei a ouvir: "E aí, vão?". Traduzo: "E aí, vamos?". Não caia na besteira de esperar um "vamos" completo de uma mineira. Não ouvirá nunca.

Na verdade, o mineiro é o baiano lingüístico. A preguiça chegou aqui e armou rede. O mineiro não pronuncia uma palavra completa nem com uma arma apontada para a cabeça.

Eu preciso avisar à língua portuguesa que gosto muito dela, mas prefiro, com todo respeito, a mineira. Nada pessoal. Aqui certas regras não entram. São barradas pelas montanhas. Por exemplo: em Minas, se você quiser falar que precisa ir a um lugar, vai dizer:

— Eu preciso de ir.
Onde os mineiros arrumaram esse "de", aí no meio, é uma boa pergunta. Só não me perguntem. Mas que ele existe, existe. Asseguro que sim, com escritura lavrada em cartório. Deixa eu repetir, porque é importante. Aqui em Minas ninguém precisa ir a lugar nenhum. Entendam... Você não precisa ir, você "precisa de ir". Você não precisa viajar, você "precisa de viajar". Se você chamar sua filha para acompanhá-la ao supermercado, ela reclamará:

— Ah, mãe, eu preciso de ir?

No supermercado, o mineiro não faz muitas compras, ele compra um tanto de coisa. O supermercado não estará lotado, ele terá um tanto de gente. Se a fila do caixa não anda, é porque está agarrando lá na frente. Entendeu? Deus, tenho que explicar tudo. Não vou ficar procurando sinônimo, que diabo. E não digo mais nada, leitor, você está agarrando meu texto. Agarrar é agarrar, ora!

Se, saindo do supermercado, a mineirinha vir um mendigo e ficar com pena, suspirará:

— Ai, gente, que dó.

É provável que a essa altura o leitor já esteja apaixonado pelas mineiras. Eu aviso que vá se apaixonar na China, que lá está sobrando gente. E não vem caçar confusão pro meu lado.

Porque, devo dizer, mineiro não arruma briga, mineiro "caça confusão". Se você quiser dizer que tal sujeito é arruaceiro, é melhor falar, para se fazer entendido, que ele "vive caçando confusão".

Para uma mineira falar do meu desempenho sexual, ou dizer que algo é muitíssimo bom (acho que dá na mesma), ela, se for jovem, vai gritar: "Ô, é sem noção". Entendeu, leitora? É sem noção! Você não tem, leitora, idéia do tanto de bom que é. Só não esqueça, por favor, o "Ô" no começo, porque sem ele não dá para dar noção do tanto que algo é sem noção, entendeu?

Ouço a leitora chiar:

— Capaz...

Vocês já ouviram esse "capaz"? É lindo. Quer dizer o quê? Sei lá, quer dizer "tá fácil que eu faça isso", com algumas toneladas de ironia. Gente, ando um péssimo tradutor. Se você propõe a sua namorada um sexo a três (com as amigas dela), provavelmente ouvirá um "capaz..." como resposta. Se, em vingança contra a recusa, você ameaçar casar com a Gisele Bundchen, ela dirá: "ô dó dôcê". Entendeu agora?

Não? Deixa para lá. É parecido com o "nem...". Já ouviu o "nem..."? Completo ele fica:

- Ah, nem...

O que significa? Significa, amigo leitor, que a mineira que o pronunciou não fará o que você propôs de jeito nenhum. Mas de jeito nenhum. Você diz: "Meu amor, cê anima de comer um tropeiro no Mineirão?". Resposta: "nem..." Ainda não entendeu? Uai, nem é nem. Leitor, você é meio burrinho ou é impressão?

A propósito, um mineiro não pergunta: "você não vai?". A pergunta, mineiramente falando, seria: "cê não anima de ir"? Tão simples. O resto do Brasil complica tudo. É, ué, cês dão umas volta pra falar os trem...

Certa vez pedi um exemplo e a interlocutora pensou alto:

— Você quer que eu "dou" um exemplo...

Eu sei, eu sei, a gramática não tolera esses abusos mineiros de conjugação. Mas que são uma gracinha, ah isso lá são.

Ei, leitor, pára de babar. Que coisa feia. Olha o papel todo molhado. Chega, não conto mais nada. Está bem, está bem, mas se comporte.

Falando em "ei...". As mineiras falam assim, usando, curiosamente, o "ei" no lugar do "oi". Você liga, e elas atendem lindamente: "eiiii!!!", com muitos pontos de exclamação, a depender da saudade...

Tem tantos outros... O plural, então, é um problema. Um lindo problema, mas um problema. Sou, não nego, suspeito. Minha inclinação é para perdoar, com louvor, os deslizes vocabulares das mineiras.

Aliás, deslizes nada. Só porque aqui a língua é outra, não quer dizer que a oficial esteja com a razão. Se você, em conversa, falar:

— Ah, fui lá comprar umas coisas...

— Que' s coisa? — ela retrucará.

Acreditam? O plural dá um pulo. Sai das coisas e vai para o que.

Ouvi de uma menina culta um "pelas metade", no lugar de "pela metade". E se você acusar injustamente uma mineira, ela, chorosa, confidenciará:

— Ele pôs a culpa "ni mim".

A conjugação dos verbos tem lá seus mistérios, em Minas... Ontem, uma senhora docemente me consolou: "preocupa não, bobo!". E meus ouvidos, já acostumados às ingênuas conjugações mineiras. nem se espantam. Talvez se espantassem se ouvissem um: "não se preocupe", ou algo assim. A fórmula mineira é sintética. e diz tudo.

Até o tchau. em Minas. é personalizado. Ninguém diz tchau pura e simplesmente. Aqui se diz: "tchau pro cê", "tchau pro cês". É útil deixar claro o destinatário do tchau. O tchau, minha filha, é prôcê, não é pra outra entendeu?

Deve haver, por certo, outras expressões... A minha memória (que não ajuda muito) trouxe essas por enquanto. Estou, claro, aberto a sugestões. Como é uma pesquisa empírica, umas voluntárias ajudariam... Exigência: ser mineira. Conversando com lingüistas, fui informado: é prudente que tenham cabelos pretos, espessos e lisos, aquela pele bem branquinha... Tudo, naturalmente, em nome da ciência. Bem, eu me explico: é que, características à parte, as conformações físicas influem no timbre e som da voz, e eu não posso, em honrados assuntos mineiros, correr o risco de ser inexato, entendem?

25 comentários:

Daniel Savio disse...

Parabéns menino RM...

Hua, kkk, ha, ha, cada estado tem seus fetiches, ou vai dizer que um mineiro não prefere uma carioca quente e douradinha (ou ao contrário)?

Hua, kkk, ha, ha, brincadeira com um fundo de volupia.

Fiquem com Deus, menina Udi e pessoal.
Um abraço.

Helô Müller disse...

"Pó parar", como assim na "surdina", hein mineirim ?
"Precisano esmagrecer e quereno comê o bolo sozim, né"?!... rs
Uai, por mim, no problem, pois adoro bolo do dia seguinte!! rs
Só podia mesmo tratar-se de um legítimo nativo de escorpião, que adora mistérios... rs
Delicioso texto, deliciosa música, deliciosa homenagem!!
Queria ouvir o seu sotaque... Confesso que pintou ainda mais curiosidade!rs

Amigo querido:
Te desejo um ano cheinho de agradáveis surpresas, bons finais e novos inícios, , muita saúde, um corpicho elegante, paz no coração, cérebro funcionando "a mil" como de praxe, muito amor na tua vida, grana no bolso e tesão pra curtir tudo isto junto, é claro!! rs
Beijos de glacê nas bochechas de cima!! rs
Helô

( num espaia pá ninguém que tive aqui, pois o tempo tá curto mermo!! rs )
Mas suncê merece, e como merece..

Luna Sanchez disse...

Ah, que pena...não sabia do aniversário do RM...bom, mesmo com dias de atraso, desejo felicidades nesse ano novo, tudo de melhor!

* Udi, que texto gostoso, né? Aqui no sul se fala "capaz", também, mas de um jeito "cantado", e com agravantes. Assim, ó : "Mas beeeeeeeem capaz!". Rs

Beijos para os dois.

ℓυηα

Se7e/5 disse...

Parabéns para o aniversariante. Não esqueça de enviar uma fatia de bolo aqui para a se7e.
Sem veneno, hein?
E não perde o controlo da coisa, tá?
Quero você de boa saúde, senão desisto de vir aqui, viu? E não há mais beijinho na boca.
Parabéns pra voc~e nesta data querida ,
muitas felicidades, muito anos de vida.
Ontem foi dia de festa, láraráLálá...Lárarálálá...
Á tua sáude. Brinda aí, moço!

Helô Müller disse...

"novos" inícios foi ótimo... ( viu no que dá a pressa?? rs)

Roney Maurício disse...

Ei Udi,
agradeço muito, querida. Você é uma flor (do oriente)!
O texto, que não conhecia, é muito bom e divertido. E fiel: é assim mesmo que os mineiros (e principalmente as mineiras) se expressam, com tanta graça... Como diz o poeta: "difícil é viver longe desse seu jeito mineiro de flor..."

Daniel,
"quente e douradinha" quem não preferirá? rss

Helô,
agradeço muito, querida. Pela simpatia, bom humor e gentileza.
Ora, melhor que "velhos inícios", não? rss

Luna,
muito obrigado, gauchinha! Aliás, em matéria de sotaque as gauchas não ficam nada a dever... rss

se7e/5,
você é bem vindo(a) sempre que mantiver a educação e o respeito aos que frequentam esse espaço.

Udi disse...

Abraço procê também, menino Daniel!

Luna: em São Paulo (ao menos na região de Garça) também usamos esse "bem capaz" - às vezes para afirmar: "bem capaz de chover hoje", outras para negar: ele: "garota, você está a fim de mim, não é?"/ ela: "mas beeeem capaz!"


Ei Érre parceirim querido: é o mínimo que poderia fazer prá retribuir a essa acolhida aqui neste espaço que é 'que nem' (isso também é uma expressão regional, nénão?) coração de mãe.
E, sabe que se você der uma uma busca pelo google, encontrará esse texto atribuído a Drummond? (que nem conheceu la Bundchen!).

E faltaram os créditos à Cora, que foi quem levantou a bola. Cadê essa moça, hein?

Cora disse...

Ahh...que delícia de post!

Mas, sabe...acho que o mineirim troca fácil, fácil, bolo por doce de cidra com doce de leite e um naco de queijo...rs

Troca não, rm?? :D

Roney Maurício disse...

Udi,
é o velho novo google... rss
E a casa é sua também, viu?

Cora,
ô! Quer dizer, posso ficar com as duas (sobremesas)? rss

Cora disse...

Eita...cê não tá de dieta, trem???

Ora, pois - tem que escolher!

Roney Maurício disse...

Que tal um pouquinho de cada uma? rss

Cora disse...

... que mineirim fajuto, sô! ...tsc tsc...rs

Anne M. Moor disse...

Udinha!! Adorei o post, o texto,a música e bolo!!!

rm um abraço de urso mesmo que atrasado!!!

Beijos
Anne

Roney Maurício disse...

Thaks, Anne.

Isso que é abraço forte, heim? rss

Mr. Almost disse...

Pára aí!

Esse bolo com framboesas e chantilly é meu e da Luna!

Kkkkkkk!...

... E depois ainda dizem que no governo é que tem patifaria!

Sacanagem!

Roney Maurício disse...

Xi Portuga...

Perdeu o bolo; daqui a pouco perde o(a) chapéu... rss

Cora disse...

Mr. Almost com sotaque... aiai...risível...

Luna Sanchez disse...

Mr. Almost,

Não tem problema, temos aqueeeeeele estoque de chantilly e framboesas, lembra? Aqueeeeeeele.

Esse bolo da foto é do RM, foi só coincidência, tá?

ℓυηα

Mr. Almost disse...

Pô, chapauzinho,

Que susto, quando vi esse bolo todo comido por estes glutões!

Mas, sim, nós temos aqueeeeeele estoque! Hummm...

Quer que dê na boquinha? Hã?...

Beijo com estoque de frantilly!

Cora disse...

Eca! Mr. Almost!!!

Vocês não variam nunquinha? ó: grudar demais, enjoa...que coisa!!! rs

Luna Sanchez disse...

(RM, Udi...licença para a conversa paralela)

Claro, Lobo, claro que quero assim. Tudo fica ainda mais gostoso desse jeito.

Abri a boca e fechei os olhos, mas não muito (essa última parte refere-se aos olhos fechados, naturalmente).

Slups!

Udi disse...

Ok, parceirim! Pode se deleitar à vontade porque o bolo é diet!
:)

Roney Maurício disse...

Luna,
a casa é sua, guria. Fique à vontade...

Udi,
é o tipo de dieta que eu gosto... rss

A.Tapadinhas disse...

Já estive no Rio de Janeiro e em Fortaleza e notei a diferença.

Agora, parece (e o que parece é) que mineiro também é diferente.

Afinal, Brasil é um país ou a Sociedade das Nações?

Parabéns rm e para v. por nos dar a oportunidade de saber essas coisas importantes...

Abraços,
António

Marcos Valério Cabeludo disse...

Parabéns a Udi pela postagem, muito interessante e cultural... Mas esse Mineirim não nega a origem, sempre caladin no seu cantin. Parabeéns RM, que possamos repetir muitas vezes!