10 de dez. de 2010

O circo da liberdade de Sakineh (by Maristela)

Não existe palhaçada sem palhaço. No caso da “libertação” de Sakineh Mohamadi Ashtiani, a iraniana que Ahmadinejad, amiguinho querido de Lula, insiste em apedrejar, os palhaços se reproduziram mundo afora sobretudo nos chamados veículos de comunicação social. Como bons amadores da informação, milhões de “jornalistas” tocaram em frente uma informação sem checagem, mesmo tendo diante de seus olhos um material que evidencia haver alguma coisa no mínimo estranha na história, a começar pelas fotos.
O olhar de Sakineh e sua expressão corporal nas imagens divulgadas mundo afora como “prova” de sua liberdade lembram cenário de novela de quarta linha com maus atores. O próprio cenário das fotografias dá motivo para desconfiança. Não é de hoje, porém, que a porraloquice midiática arma a lona de mãos dadas com fontes ingênuas e ou mal-intencionadas e o picadeiro se enche de palhaços.
O triste, neste caso, é que a personagem central das palhaçadas, o tema de todas as gracinhas usuais dos que portam aquele tradicional nariz vermelho, é uma mulher cujo destino continua nas mãos de um bando de cafajestes, dentro e fora do Irã. E a pulha sobre uma absolutamente improvável atitude humana, partindo de um governo arbitrário e que tomou ares de verdade, não ajudará Sakineh a escapar do que virou uma disputa de poder e influência entre vários jogadores. Jogo este que inclui um patético e amargurado Lula em fim de mandato, seu estrategista de dentes podres Marco Aurélio Top Top Garcia e seu finório chefe da diplomacia Celso Amorim. Que circo, hem?
No picadeiro, alguns coleguinhas do Partido da Imprensa Governista exibiram sua pobreza. Cynara Menezes, uma das articulistas de Carta Capital, teve direito a vários retuites de seu perolado pensamento de esquerda "muderna": “os democratas libertários civilizados ocidentais prendem julian assange e os medievais autoritários islâmicos iranianos libertam sakineh.  Na mesma linha, Jorge Cordeiro, editor do Blog do Planalto, baseado em sua profunda vivência iraniana graças à visita de poucos dias acompanhando Lula ao país, tuitou, categórico: “Estive lá. É um país maravilhoso, com problemas e sucessos, como qualquer outro. Longe de ser inferno”.
Nem a Globonews, em geral criteriosa no seu jornalismo, escapou: na edição da meia-noite de quinta-feira, com base no derrame de fotos da condenada, manteve a afirmação de que ela estava livre, leve e solta. Se o pessoal da produção do telejornal houvesse ao menos passado os olhos pela versão virtual do Le Monde, teria se poupado do mico.
E é o mesmo ícone "dazisquerda" Monde que publica artigo do franco-iraniano Armin Arefi contando o passo a passo da história toda, desde o primeiro telefonema por ele recebido de Berlim anunciando a boa notícia que não existiu. Entre outras coisas, o jornalista e escritor chama atenção para o vídeo da TV Press (ao estilo “olá, tudo bem” do Paulo Henrique Amorim) em que Sakiheh aparece se confessando assassina, só que ela se manifesta em persa embora sua língua seja o azéri. Arefi, que encerra seu artigo perguntando “quem manipula quem?”, debocha, comme il faut, da desinformação geral e diz que a mentira fez a alegria das “autoridades” internacionais que se apressaram em comemorar a falsa libertação, entre elas, Lula.
Foi comovente, relembremos, a maneira como Lula se referiu à acusada, em agosto, quando fazia ainda o papel de principal garoto propaganda de Dilma Rousseff. Ao ter a idéia de oferecer ao "cumpanhêro" Ahmadinejad um asilo básico para Sakineh, disse o principal ator da trupe: “Essa mulher que ta causando incômodo”, Em volta do picadeiro, o res-pei-táaaa-vel púuuuublico aplaudiu. Ninguém estava interessado, mesmo, numa gringa que mora tão longe. E seguiu o circo.

2 comentários:

Roney Maurício disse...

Ei Maristela,
que prazer chegar de viagem e ler um texto como o seu: "na lata e sem vaselina"...

Cada vez mais honrado em recebê-la aqui.

Sergio disse...

Olá Maristela! Gostei muito de ler sobre essas questões do poder; em meu blog há uma janela "político-social" na qual tento dar à minha literatura uma linha de utilidade pública e conscientização quanto à estas questões. Adorei teu blog e estou te seguindo, caso queira seguir-me também, veja:http://asvozesdomar.blogspot.com/

Feliz Ano Novo!
Abç!