17 de dez. de 2010

Para que não se esqueça. Para que nunca mais aconteça. (by Maristela)


  
“No dia 4 de dezembro, dia da hospitalização forçada, o Izvéstia publicou o artigo ‘Mais uma provocação’, no qual informava, em tom abjeto, a nossa greve de fome – para eles, uma provocação. Expunha o caso Lisa no espírito dos folhetins do Niediélia. A posição dos pais dela era a mesma que a anterior ao casamento por procuração, e afirmava ainda que tal tipo de casamento não era reconhecido na União Soviética. Comunicavam que, naquele exato momento, Sákharov havia sido internado em um hospital onde estava recebendo assistência médica. Pelo visto, o artigo havia sido publicado antes da invasão da nossa casa pelo KGB. Tudo indica, porém, que não surtiu na opinião pública mundial o efeito que os autores esperavam.
Liúcia leu o artigo já no primeiro dia, foi chamada à sala dos médicos especialmente para isso. Quando lhe pediram para devolver o jornal, ela o rasgou aos gritos: ‘Vão vocês com seu Izvéstia...’. E o lançou contra um dos médicos. Só na segunda-feira, o médico-chefe me mostrou o jornal. O artigo provocou em mim e nela uma impressão angustiante. Depois, Liúcia me contou que para ela foi especialmente doloroso pensar que o artigo seria lido por Ruth Bonner, Aliócha e Tânia. Ao custo de altos gritos e energia, ela conseguiu o direito de sair da enfermaria para o corredor, o que eu não consegui. Ela passou inclusive a tomar banho sozinha. Ela quebrou de propósito uma tabuleta pendurada em sua cama com a inscrição: ‘guardar o leito’.
À noite, quando todos os pacientes já estavam na enfermaria, Liúcia saiu para o corredor e chorou. Naquele e nos dias seguintes, ela escreveu uma infinidade de pequenos bilhetes em pedacinhos de papel, informando da nossa situação e pedindo que fossem entregues aos Khainovski. Lançava pela janela os bilhetinhos no pátio por onde passavam muitas visitas, metia-os nas mãos de pacientes e visitas no corredor, mas nenhum deles foi entregue.
Naquele primeiro dia, tentei sair da enfermaria. Fui até o fim do corredor tentando descobrir onde estava Liúcia, perguntei ao médico desconhecido e ele me respondeu que nada sabia e, mesmo que soubesse não informaria. Fui para a minha enfermaria, ao lado da qual uns dez pacientes assistiam à televisão. Quis me dirigir a eles com o mesmo pedido mas, nesse instante, lançaram-se contra mim o médico terapeuta, uma enfermeira e meus vizinhos de enfermaria (com um empenho especial). Empurraram-me para dentro do recinto, dizendo que eu estava em regime de leito. (...)
O psiquiatra me dizia coisas ainda mais aterrorizadoras sobre meu estado físico, tentava ao mesmo tempo me assustar, incutindo-me que eu já não controlava inteiramente o meu pensamento, que minhas idéias estavam confusas e que eu já chegara ao limite. (...)
“O que entendo por plurarismo e sociedade aberta? Em termos breves, o seguinte: reformas econômicas, jurídicas e políticas que eliminem o monopólio partidário-estatal absoluto nos campos da economia, ideologia e cultura; liberdade de convicções, livre troca de informações dentro do país e com o exterior, condições para uma liberdade da vida cultural e controle real de todo o povo sobre a vida do país e as decisões que determinem a manutenção da paz; liberdade de religião e de escolha do país para morar; liberdade de associação; libertação incondicional de todos os prisioneiros de consciência das prisões e hospitais psiquiátricos”.
Trechos do livro Andriêi Sákharov, Memórias. Minha homenagem a Dilma Rousseff (e seu discurso calcinha suja) por sua diplomação como presidente do Brasil.
Para que não se esqueça. Para que nunca mais aconteça. 

Um comentário:

Roney Maurício disse...

Não tomei conhecimento da íntegra do discurso. Bastaram-me as manchetes de hoje, destacando que a presidente prometeu "investimento e estabilidade".

Isto dito num período em que a economia desacelera e a taxa de inflação repica como há muito não ocorria; soa tão verdadeiro quanto uma nota de 3 reais...

Prenúncio de tempos difíceis; espero que não tanto quanto os lembrados por você.

Você é mesmo porreta, heim Maristela? rss