Sentindo nas palmas das mãos um formigueiro em regurgitante erupção, Lucíola foi impulsiva e áspera ao largar a vassoura no peitoril da janela da sala de estar. Alcançou com a vista embaçada o sofá empoeirado, mas se sentou no móvel que estava mais ao alcance das pernas trêmulas. Arriou as cadeiras no acento, recostou o dorso no espaldar da poltrona, puxou a penúltima nesga de ar e rogou aos céus que lhe inspirasse. Sentiu na boca o gosto azedo de uma golfada e, sem amargura nos gestos, retomou a costura abandonada há dias. De quando em vez, o sono lhe arrebatava a agulha da mão e começava a bordar nos pesadelos os retalhos do dia. Não sei dizer quanto tempo depois, mas sei que Lucíola combinou as idéias e decidiu que já estava mais do que na hora de abandonar a costura para dar uma olhadinha no movimento da rua. Precisava sacudir a preguiça das juntas esmoidas. Sem demora, deu as mãos aos braços da velha poltrona colocou o peso do tronco nos joelhos, largou as nádegas do acento em brasa e foi ficar ao lado da vassoura. Entre Lucíola e a vassoura não havia muita diferença. Esguias sacodem a poeira dando voltas por cima e por baixo. Magrelas se postam no peitoril da janela da sala de estar. Lucíola, numa fisgada, percebeu a praça regurgitando gente. Todo o campo de visão estava minado de refluxo humano. Para Lucíola, era como se a boca do mundo estivesse com disfagia.
Lucíola desviou o olhar para um pedacinho da grama, uma área de 20cm x 10cm, embaixo do jambeiro. Centenas de formigas carregavam para dentro de suas cavernas o rosa orgânico da flor do jambo. No pensamento fértil de Lucíola, as formigas penetram nas cavidades da terra para depositar materiais que, por sua vez, irão regurgitar na mesa da cadeia alimentar outras minúsculas criaturinhas. De repente, não mais que de repente, a vassoura dá uma cutucada em Lucíola e aponta, com o cabo, para uma menina de vestido vermelho que passava bem embaixo do peitoril e, curiosa até último fio de sisal, perguntou: O que você tem aí dentro desta caixa, menina? Torta de vento com nada dentro! - respondeu a garotinha. Lucíola, sem querer perder mais tempo, voltou para a sua costura. Dessa vez, furou o dedo e tingiu com sangue a pétala da rosa que bordava há dias.
NOTA DO ADMINISTRADOR
Maria Elisabeth, Beth, baiana legítima ("...requebra direitinho, de cima e embaixo, revira os olhinhos e diz eu sou filha de São Salvador") é bióloga por formação, escritora (ao que tudo indica) por vocação e aventureira por distração. Também já tinha sido objeto de post nesse blog (vejam aqui) e mantém o BarcaVelanoMar , quando não está viajando pelos 4 cantos do planeta.
.
Lucíola desviou o olhar para um pedacinho da grama, uma área de 20cm x 10cm, embaixo do jambeiro. Centenas de formigas carregavam para dentro de suas cavernas o rosa orgânico da flor do jambo. No pensamento fértil de Lucíola, as formigas penetram nas cavidades da terra para depositar materiais que, por sua vez, irão regurgitar na mesa da cadeia alimentar outras minúsculas criaturinhas. De repente, não mais que de repente, a vassoura dá uma cutucada em Lucíola e aponta, com o cabo, para uma menina de vestido vermelho que passava bem embaixo do peitoril e, curiosa até último fio de sisal, perguntou: O que você tem aí dentro desta caixa, menina? Torta de vento com nada dentro! - respondeu a garotinha. Lucíola, sem querer perder mais tempo, voltou para a sua costura. Dessa vez, furou o dedo e tingiu com sangue a pétala da rosa que bordava há dias.
NOTA DO ADMINISTRADOR
Maria Elisabeth, Beth, baiana legítima ("...requebra direitinho, de cima e embaixo, revira os olhinhos e diz eu sou filha de São Salvador") é bióloga por formação, escritora (ao que tudo indica) por vocação e aventureira por distração. Também já tinha sido objeto de post nesse blog (vejam aqui) e mantém o BarcaVelanoMar , quando não está viajando pelos 4 cantos do planeta.
.
11 comentários:
Ei Beth,
demorou mas valeu a pena: delicioso texto recheado de sensações pungentes e sentimentos misteriosos... e uma pitada de humor, não poderia ser melhor.
Bem vinda, nega!
Ah, permita fazer breve adendo ao post para apresentá-la...
Ei mineiro,
esse texto é "veio"...sacudi a poeira, dei uma retocada aqui e ali, suspirei e postei.
Gosto da sua pitada de humor no seu breve adendo! Obrigada pelo carinho, moço.
Peace and love!
Ué, qual o problema dele ser "véio"? Eu também não sou mais nenhum garotinho... rss
Finalmente, a tão anunciada postagem da moça que gosta de varais com roupas ao vento!
Benvinda, Beth! e parabéns pelo texto delicioso, apesar dos regurgitos ...risos!
Mineiro 'véio',
Bj
+++++++++++++++++++++++++
Ei Udi,
você lembra dos varais de roupas!!!! É mesmo...faz um tempão que 'num dô' as caras.
Obrigada pelo aconchego, moça!
Uma rosa manchanda! Gosto dessa imagem.
Bem vinda, conterrânea.
Bjos
Desde mis BLOGS:
--- HORAS ROTAS ---
y
--- AULA DE PAZ ----
quiero presentarme
en esta nueva apertura
del eminente otoño.
Tiempo que aprovecho
ahora para desear
un feliz reingreso en
la actividad diaria.
Así como INVITAROS
a mis BLOGS:
--- HORAS ROTAS ---
y
--- AULA DE PAZ ----
con el deseo de que
estos sean del agrado
personal.
Momentos para compartir
con un fuerte abrazo de
emociones, imaginación y
paz. Abiertos a la comunicación
siempre.
afectuosamente :
RM----NO VERBO
--- TE SIGO TU BLOG :
RM NO VERBO ---
jose
ramon…
Belo texto, mas parece que pede uma continuação...
Fiquem com Deus, menina Beth e pessoal.
Um abraço.
Beth
Também lembro os varáis :-)
Este teu texto é uma delícia de ler e pelas lembranças que suscita!!!
Parabéns!
Beijos
Anne
Ei Celine, José Ramon, Daniel e Anne.
Obrigada pelo carinho.
Peace and love.
Postar um comentário